Turma constata manobra processual em renúncia de trabalhadora abrangendo apenas a empresa prestadora de serviços em caso de terceirização

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Turma constata manobra processual em renúncia de trabalhadora abrangendo apenas a empresa prestadora de serviços em caso de terceirização

A renúncia é um direito exclusivo do autor da ação e pode ser exercido em qualquer momento processual, independentemente da concordância da parte contrária. Com a renúncia, o processo é extinto, com julgamento do mérito e, dessa forma, a parte autora não poderá mais ajuizar qualquer outra ação sobre o mesmo direito. É que os efeitos da renúncia equivalem aos da improcedência da ação. Mas, quando há litisconsórcio passivo necessário (pluralidade de réus no processo, obrigatória porque imposta por lei) e ambos os réus apresentam recurso mas só um efetua o preparo (pagamento de custas e depósito recursal), a renúncia do autor em relação a apenas um deles, justamente aquele que pagou o depósito recursal e as custas processuais (que aproveitaria ao outro réu, nos termos da Súmula 128 do TST), caracteriza manobra processual maliciosa, pois visa claramente a impedir que os réus levem à Segunda Instância a discussão da causa, contrariando o princípio da boa-fé e da lealdade processual. É que a renúncia abrangendo apenas o recorrente que efetuou o pagamento das custas e depósito recursal, se aceita, levaria à extinção do processo quanto a este. Por outro lado, o outro recorrente não poderia se aproveitar do preparo efetuado por ele, levando à deserção do seu recurso que, por isso, não seria conhecido na instância superior.

Foi essa a situação com que se deparou a 9ª Turma do TRT mineiro ao analisar um agravo de instrumento interposto por uma empresa prestadora de serviços de call center (Atento Brasil S.A.). Ela não se conformava com a decisão de 1º Grau que homologou a renúncia apresentada pela reclamante apenas em relação ela (Atento) e denegou seguimento ao recurso interposto pelo outro réu (tomador dos serviços), por deserto.

No caso, a Atento Brasil integrava um litisconsórcio passivo necessário na ação, juntamente com o Banco BMG/S.A, que contratou seus serviços de call center. Na sentença, foi reconhecida a existência de terceirização ilícita, com a declaração do vínculo de emprego da reclamante diretamente com o banco e a condenação solidária dos réus ao pagamento das verbas trabalhistas reconhecidas. As duas empresas recorreram da decisão, mas apenas a Atento efetuou o recolhimento das custas e o depósito recursal, que aproveitaria ao Banco, nos termos da Súmula 128 do TST. Entretanto, com a renúncia da trabalhadora perante a Atento e a consequente extinção do processo quanto a ela, com resolução do mérito, o valor do preparo lhe seria devolvido e, assim, não mais aproveitaria ao banco, o que levou o juiz a negar seguimento ao recurso ordinário deste, por deserto.

Mas, para o relator do agravo de instrumento, o juiz convocado Ricardo Marcelo Silva, ficou evidente que a trabalhadora, ardilosamente, renunciou aos seus direitos em relação à Atento Brasil com o único objetivo de tolher o direito das rés de levar à Segunda Instância a discussão da causa, evitando a apreciação dos recursos ordinários das empresas. Segundo o relator, a conduta da reclamante configurou manobra processual maliciosa, em ofensa ao princípio da boa-fé e da lealdade processual.

Ele explicou que o direito perseguido pela trabalhadora na ação se baseou na declaração de nulidade do contrato de trabalho firmado entre ela e a empresa prestadora de serviços (Atento Brasil S.A.), sua empregadora original. Sendo assim, se a trabalhadora renuncia a este direito, não sendo considerado nulo seu contrato com a Atento, por mera consequência, não haveria reconhecimento de terceirização ilícita com o banco tomador, o que levaria à improcedência da reclamação trabalhista, com a extinção do processo, com resolução do mérito, em relação a ambas as empresas (já que não mais existiriam créditos em favor da reclamante na ação). “Não há espaço para homologação da renúncia atingindo, ao final, interesses incindíveis de partes que se reúnem em litisconsórcio; ou bem se renuncia ao direito como um todo livrando ambas as reclamadas, ou as duas continuam unidas nos planos processual e material”, destacou o juiz convocado.

Ele frisou que a renúncia pretendida pela reclamante não se estende ao direito em que se baseia a ação, mas apenas à sua exigibilidade em relação a um dos devedores solidários, no caso, a empresa prestadora (Atento), o que não pode ser admitido. Isso porque, conforme explicou, esse procedimento se parece mais com a “desistência da ação”, que causa a extinção do processo, sem julgamento do mérito, e pode ser realizada apenas até a publicação da sentença, não sendo permitida na fase recursal, na qual já se encontrava o processo dela (art. 267, § 4º, do CPC). “A verdadeira renúncia alcança o direito em que se funda a ação e não apenas o pedido de condenação solidária dos reclamados”, ponderou o relator.

O julgador também fez questão de acrescentar em seu voto os fundamentos da desembargadora integrante da 9ª Turma do TRT-MG, Mônica Sette Lopes: ¿A parte não pode renunciar ao que não é dela. Há um conteúdo declaratório na decisão que reconhece a relação de emprego com o tomador dos serviços e, além do vínculo em si, ele traz a declaração implícita de que aquela atividade só pode ser desenvolvida internamente pela empresa e que não pode haver contratação dela a terceiros. Não seria, portanto, um negócio lícito, o que inviabilizaria por completo a existência da agravante (Atento Brasil). Assim, a renúncia da reclamante, que é genérica, só pode abranger os efeitos da solidariedade em relação a esta empresa. Ela não pode abranger a anotação da CTPS, o pagamento das verbas decorrentes do vínculo com o tomador, porque isso envolveria o direito de discussão da matéria posto legitimamente no recurso. A renúncia da trabalhadora não explicitou esses pontos especificamente (ou seja, ela não renunciou às verbas que decorrem da condenação). Assim, se sua renúncia não alcança a face declaratória da questão (nulidade do contrato com a Atento, terceirização ilícita e vinculo de emprego com o banco), onde está o interesse da agravante, o recurso é meio de impugnação legítimo e a parte tem o direito de discutir isso que é do seu interesse, de acordo com os limites da lide, e não da reclamante”.

Por fim, registrou o relator que o processo não pode servir de palco para surpresas que possam afetar os direitos elementares de qualquer das partes.

Nesse contexto, a Turma, acolhendo o voto do relator, deu provimento ao Agravo de Instrumento e, após constatar a presença dos demais pressupostos de admissibilidade, conheceu do recurso ordinário da agravante, Atento Brasil, passando a analisar o seu mérito. Mas, a Turma não conheceu do recurso ordinário do Banco BMG, porque ele não se insurgiu contra a decisão que denegou seguimento ao seu recurso ordinário, esclarecendo os julgadores que a agravante não tem legitimidade para formular a pretensão de conhecimento de recurso de terceiro, no caso, o banco reclamado (art. 3º do CPC).

Terceirização lícita

Em seu recurso, a Atento pediu a reforma da sentença que declarou a ilicitude da terceirização e o vínculo de emprego direto com o Banco BMG S/A , tomador dos serviços, com o deferimento à reclamante dos benefícios previstos nas CCT¿s dos bancários. A 9ª Turma revisora lhe deu razão.

Conforme ressaltou o juiz convocado relator: “A matéria objeto do recurso encerra aparente contradição: é nova e velha, ao mesmo tempo. É nova, porque surgiu, basicamente, junto com este século. E é velha, porque abarrota esta Justiça, tanto na primeira, quanto na segunda instância.”

Na visão do julgador, o fato de, hoje em dia, as empresas contratarem o serviço de call center, desenvolvido por empresas altamente especializadas no ramo, é uma exigência da vida moderna e não há qualquer ilicitude no procedimento. Em sua análise, a questão está impregnada por uma “nefasta e inconveniente ideologia”, não amparada pela Constituição da República. E isso ocorre porque o serviço de call center é novo: “Antes, especialmente na época das primeiras leis que trataram do tema trabalho subordinado no Brasil, nem se ouvia falar, muito menos havia necessidade de call center. Normalmente, as pessoas iam até os locais onde precisavam resolver seus problemas, quer fossem bancários, de consumo, de saúde, etc. Mas, devido às necessidades e avanços da vida da sociedade moderna, criou-se o teleatendimento, por meio do qual grande parte, se não todos os problemas do nosso cotidiano, são resolvidos por telefone e agora até pela internet, outro modo eficiente de resolução de problemas.Com isto, surgiram as empresas especializadas no ramo, como é o caso da Atento Brasil S/A. Especializadas não. Altamente especializadas. Estas se constituem conforme as leis da República e ofertam seus serviços a quem deles precisar.”, registrou o julgador.

Ele ponderou que, realmente, existe um tipo comum de clientes dessas empresas especializadas, como é o caso das empresas de telefonia ou dos bancos. Mas isso não torna ilícita a terceirização desses serviços pelos clientes e nem autoriza o reconhecimento do vínculo de emprego da trabalhadora de teleatendimento diretamente com eles. Observou que, no caso dos bancos, especialmente, existe até uma norma que os autoriza, expressamente, a contratar empresas tais como a Atento. Ele se referia às Resoluções do BACEN que dispõem sobre a contratação de correspondentes no País (em vigência a de nº 3.954, de 24.fev.2011, resultante da consolidação e alteração das anteriores).

“As empresas que atuam no ramo demandam enorme contingente de mão-de-obra e empregam milhares de pessoas. Só que pagam salários baixos. Certamente, porque a categoria profissional que lhes corresponde ainda não se agregou em sindicatos fortes o suficiente, a ponto conquistar melhores condições de trabalho para a nova categoria. Com isto, no fim do contrato, ou mesmo no curso dele, o que não é raro, os trabalhadores procuram a Justiça do Trabalho requerendo o vínculo com a tomadora dos serviços, pois os trabalhadores dela, por formarem categoria profissional já, se assim posso dizer, velha, conquistaram direitos mais robustos”,frisou o relator.

Em sua análise, não é razoável exigir que todas as empresas do país criem e mantenham serviço de call center, pois tanto as pequenas como as grandes, em razão da concorrência do mercado, acabam sendo obrigadas a oferecer esse tipo de serviço. “Assim, podem e até mesmo devem as empresas especializadas na questão atuar no ramo, sem que isso implique em terceirização ilícita”, destacou.

Além disso, observou o relator que, no caso, não houve prova capaz de demonstrar que a reclamante exercia atividades típicas de um bancário. Ele notou que nenhuma testemunha chegou a ser ouvida e que, pelo contrato de prestação de serviços firmado com a Atento, a reclamante exercia atividade de teleatendimento aos clientes do Banco BMG. E, para ele, essas atividades de telemarketing, ainda que relacionadas aos produtos oferecidos pelo tomador, não podem ser tidas como atividades-fim, mas apenas uma atividade acessória decorrente de uma exigência da vida moderna.

Por tudo isso, o julgador considerou lícita a terceirização e excluiu o vínculo de emprego direto com o Banco reclamado, já que também não foi demonstrado que a reclamante prestou serviços ao banco com a presença dos elementos da relação de emprego (artigos 2º e 3º da CLT), principalmente a subordinação. Por consequência, entendeu que a reclamante não tem direito aos benefícios previstos nos instrumentos coletivos dos bancários e excluiu a obrigação de o Banco BMG S/A anotar a CTPS da trabalhadora, dando provimento ao recurso da Atento Brasil, no aspecto.

“A questão dos baixos salários pagos aos trabalhadores do teleatendimento e correspondente bancário, mediante os chamados call center, serviço que nasceu com força no alvorecer do novo século, há de ser resolvida coletivamente, ou seja, após a tomada de consciência de seus trabalhadores de que exercem atividade fundamental para a sociedade moderna. O ideal é que os trabalhadores desta importante categoria fortaleçam seu sindicato e, a partir disto, empreendam luta no sentido de conquistar melhores condições de trabalho. Ao contrário, quando optam por demandas individuais, em face da empregadora e do tomador, certamente, não irão muito longe, porque não sendo ilícita a terceirização de serviços, como no caso dos autos, em que a tomadora terceiriza, legalmente, o atendimento pelo “call center”, não há que se falar em vínculo, diretamente com o tomador”, conclui o juiz convocado relator.

( 0002026-54.2014.5.03.0136 AIRO )

Fonte: www.trt3.jus.br/noticias

 

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